segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Divino Encanto

Religiosidade, fé e música
Documentário de Luciano Klaus mostra os cantadores de Amarante


Luciano Klaus, jornalista piauiense, iniciou a carreira como fotógrafo e músico, integrando por 12 anos o Grupo Ensaio Vocal. Em 2005, em uma dessas viagens de fotógrafo e pesquisador, Luciano entrou em contato com um grupo de cantadores em Amarante. A paixão pela música, fez com que ele pesquisasse mais profundamente a manifestação cultural proporcionada pelos cantadores e para tanto adentrou a zona rural e interior de Amarante. Além da pesquisa, ele começou a fazer um registro fotográfico, mas ainda assim, as fotos e pesquisa não contemplavam aquilo que Luciano queria divulgar – uma cultura regional forte e apaixonante, envolta pela música.

Trecho da entrevista com Luciano Klaus


Com intuito de dar à manifestação a merecida valorização, Luciano Klaus viu na produção de um documentário a perfeita união: Imagem, história e música...! Ai entra em cena, o IV DOCTV – O Programa de Fomento à Produção e Teledifusão do Documentário Brasileiro, o DOCTV, nasceu em 2003 como uma política da Secretaria do Audiovisual voltada à produção de documentários na TV Pública. O programa tem o objetivo de patrocinar, orientar e possibilitar a produção de documentários de produção independente em todo o País. O programa é uma realização da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, da TV Cultura, da Associação Brasileira das Emissoras Públicas Educativas e Culturais (ABEPEC), da TV Brasil e recebe o apoio da Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-metragistas (ABD Nacional).

Com projeto do “DIVINO ENCANTO” em mãos, Luciano foi o escolhido para representar o Piauí. Sem nenhuma formação específica para produzir documentários, além do apoio da equipe que ministrou as oficinas do DOC TV, Luciano contou com sua afinidade com a fotografia e a música. O documentário tem como pano de fundo a festa do divino – que é uma comemoração que tem sua origem associada a uma promessa feita, ainda no Século XIV, pela rainha D. Isabel, de Aragão, casada com o rei D. Dinis, de Portugal, ao invocar o Espírito Santo em favor da pacificação dos conflitos familiares que punham em risco a própria unidade do reino. Com o tempo, espalhou-se pelas colônias portuguesas e pelo mundo ibérico, e, atualmente, pode considerar-se como uma festa universal, talvez a mais rica em simbologia.

Peregrinação do Divino


O documentário teve repercussão nacional (exibido em 25 de Junho de 2009, de lá pra cá- com várias reprises ). Luciano que optou por esse tema, por considerá-lo relevante e em contrapartida pouco divulgado, teve seu objetivo alcançado, pois através das exibições da TV Cultura e demais TVs públicas, DIVINO ENCANTO foi um sucesso e agora os nossos artistas da terra tem registrado seus cantos e encantos de fé, através das lentes de Luciano Klaus.


O Documentário – o que passou na telinha


O Documentário DIVINO ENCANTO retrata a peregrinação dos cantadores do Divino na cidade de Amarante, em especial a do cantador e lavrador Zeca Tatu, mais conhecido como Tatuzinho. A relação do protagonista com a fé é mostrada no pagamento de uma promessa ao divino, sua penitência é ir de casa em casa cantarolando, cumprindo a famosa “desobriga”. A simplicidade da relação com a divindade, a fé inabalável, a luta e força de vontade desenvolvida por Zeca Tatu, no documentário, representa milhares de pagadores de promessas de todo o Brasil.

A interação com os moradores do sertão que recebem os cantadores, que abrem as portas de suas casas e oferecem “esmolas”, configuram a imagem do povo acolhedor e unido pela fé. Em muitos lugares do Sertão, a expectativa pela chegada dos cantadores (chega a ser comovente), lugares praticamente desabitados, onde os cantadores levam bênçãos e mensagens divinas.




No sertão, cantador toca


Outro ponto forte do documentário é o cruzamento da religiosidade do povo e a religiosidade instituída pela Igreja. O mundo da instituição religiosa - através da Igreja católica – com regras, preceitos, dogmas e o mundo da fé viva e personalizada na cultura do povo, que se manifesta a todo o momento. Zeca Tatu, que estava há oito anos sem freqüentar a Igreja, mas ainda assim possuía uma religiosidade aflorada, necessitou de autorizações e deveres para poder cumprir a desobriga. O padre impôs que ele comparecesse as missas, se confessasse regularmente, além de efetuar doações, à Igreja, das quantias arrecadadas.

O documentário mostra a dura realidade de luta e esperança dos “esquecidos”, dos “desventurados”, a fé incondicional, a fé que os faz enfrentar as maiores dificuldades e provações, e seguir sobrevivendo, acreditando que tudo pode melhorar. Para representar a dureza da vida no sertão, a fotografia do documentário o faz muito bem, através das cores fortes, intensas, que transpassam para as telas o efeito maçante do intenso calor. As cores chamativas estão bem posicionadas e remetem a ligação com a divindade, além da música do documentário ser marcante, principalmente por destacar um traço regional, quando cantada pelos cantadores.


Por trás das câmeras


Luciano considera o documentário como uma das experiências mais enriquecedoras de sua vida, por essa razão quer continuar fazendo documentários. Uma das dificuldades encontradas na produção de DIVINO ENCANTO foi o calor excessivo durante as gravações, que ocorreram no mês de Novembro em pleno sertão piauiense, “a equipe não podia parar de jeito nenhum, era o tempo inteiro correndo atrás do povo”, conta Luciano.

Uma particularidade da história de Zeca Tatu que chamou a atenção de Luciano foi a de quê: Na maioria dos casos, o pagador de promessa contrata um grupo de cantadores para cantar, enquanto ele apenas carrega a imagem ou bandeira do divino. Mas nesse caso, Zeca Tatu além de pagador de promessa, era um dos cantadores, o que torna o documentário mais envolvente, pois o protagonista cumpre seu papel em todas as dimensões.

O surgimento do padre no enredo deu outro viés ao documentário, no primeiro momento a surpresa assustou Luciano, no entanto, a intervenção do padre reforçou o roteiro e acrescentou um tom crítico e reflexivo a respeito do papel da Igreja. “O padre não queria deixar que o tatuzinho cumprisse a promessa dele, porque a Igreja católica detém o poder sobre os símbolos religiosos. Então para qualquer pessoa pagar uma promessa pro divino Espírito Santo, precisa de uma autorização expressa e assinada pelo padre. Sem essa autorização, coisa que nós soubemos na hora, não era viável o cumprimento da promessa. Então o padre entra na história, meio que enviesado, não esperava por isso, tanto que a primeira parte do documentário é basicamente sobre esse conflito.” Relata Luciano.


Momento característico da manifestação religiosa


Através do contato com a cultura do povo Amarantino e das manifestações religiosas. Luciano já consegue formular opiniões embasadas sobre religiosidade, fé e instituição. O pensamento de Luciano acerca da intervenção da Igreja nas manifestações populares é: “O que parece é que a Igreja tem receio de que aproveitadores lucrem dessa simbologia e dessa fé do povo para ganhar dinheiro - A preocupação da Igreja é essa. Mas em sua maioria, os pagadores de promessas são pessoas que estão necessitadas de se apegar a alguma coisa, que precisam ver seus pedidos atendidos. E quando o pedido é concedido, eles se sentem como se tivessem uma dívida e não sossegam enquanto não pagam. Imaginar que uma pessoa humilde que nem o Zeca Tatuzinho vá enricar com a “esmola” (doação de galinhas, ovos, pães, dinheiro), não tem sentido. Segundo a Igreja, quem quiser pagar uma promessa, vai ter que aproveitar a desobriga da Igreja, para pagar junto com todo mundo e doar uma parte a ela. Enxergo com muita preocupação essa “intervenção”, pois a fé e religiosidade existem antes da Igreja, já é uma coisa embutida na nossa cultura.” Alerta preocupado Luciano.


O que vem em seguida? – Carreira de Luciano


Devido a forte ligação com a música, Luciano pretende seguir com os documentários e continuar trabalhando com a temática: cultura popular e música. Nessa perspectiva o Reisado de Boa Hora, muito interessa a ele. “É um acontecimento forte da nossa cultura, se pensar em cultura popular no Piauí, em forma de cultura, temos esse reisado de Boa hora”. Conta entusiasmado Luciano.

Um dos outros planos profissionais de Luciano é a realização de um curta-metragem de um conto do Assis Brasil – com quem ele já ensaiou algumas conversas de como transformar o texto em vídeo. O conto é “Alexandre, o pequeno”.

A torcida da equipe VOLVER é para que esse talento genuíno, que é o Luciano Klaus, continue produzindo e levando a nossa cultura além das fronteiras regionais. O Piauí é um estado rico culturalmente e nada mais justo, do que essa riqueza ser divulgada e devidamente reconhecida Brasil a fora.

Ficha Técnica do documentário:

O documentário aborda o misticismo que envolve os cantadores do Divino do sertão piauiense, um dos locais onde essa manifestação cultural e religiosa se mantém bastante presente como cultura no cotidiano dos moradores da região.

Duração: 52 minutos

Autor e Diretor: Luciano Klaus

Co-produção: Luciano Klaus Chroma Comunicação TV Antares ABEPEC - Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais. ASCOM/UNIVIRR

Assista um bate-papo com o diretor do documentário - DIVINO ENCANTO - Luciano Klaus

Veja a chamada do documentário - DIVINO ENCANTO



Por: Ana Isabel Freire (anaisabel_freire@hotmail.com) - Mariana Guimarães (mariana-guimaraes@hotmail.com) – Nina Nunes (nina_quasenada@hotmail.com)

-fotografias do acervo de Luciano Klaus.

Um comentário:

  1. Essa matéria não está normal de boa não..tá envolvente, tá otima...a cada dia a equipe volver me surpreende cada vez mais...muito muito mais...o Piaui é muito rico e graças a vocês, está sendo mostrado de pouco em pouco o que tem de bom nele, como essa materia do documentário do Luciano, me deixou com uma vontade imensa de assistir. huhuh
    Abraços e parabens novamente equipe volver

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